2.2.5.3 Descrevendo a Tensão

Até o momento o construto tensão foi apresentado como uma narrativa que parece comunicar um desejo de que algo seja diferente do que é hoje.

Quando ouvimos as falas das pessoas ao nosso redor com atenção, podemos identificar várias tensões sendo comunicadas.

Para extrair o máximo deste construto, podemos utilizar uma estrutura que ajuda o interlocutor a deixar claro o que é percebido hoje e o que deveria ser diferente.

Por exemplo, uma narrativa que comunica uma tensão poderia ser algo como “fazemos muitas reuniões que poderiam ser um email”.

Para encapsular isso como uma tensão nós podemos utilizar a seguinte estrutura:

Eu percebo que temos muitas reuniões que poderiam ser um email. Eu gostaria que tivéssemos menos reuniões e que elas fossem mais efetivas.

Em alguns casos isso é o suficiente para começar a desenhar intervenções que tentem “resolver” essa discrepância entre realidade percebida e desejada.

Mas com frequência nós pedimos que as pessoas contem uma história real e uma história ideal sobre a tensão porque isso nos oferece uma riqueza de detalhes muito maior para desenhar intervenções.

Talvez uma história real para este caso seja: Em alguns dias tenho mais de cinco reuniões onde não temos uma pauta definida, cada um fala o que quer e no fim nunca resolvemos nada.

E uma história ideal poderia ser algo como: Hoje só fazemos reuniões quando é absolutamente necessário e resolvemos a maior parte das coisas de forma assíncrona.

Seguindo este raciocínio acabamos com a seguinte estrutura:

tensao_descr.png

Com o uso dessa estrutura, acabamos convidando a pessoa a descrever a tensão de um jeito mais abstrato (eu percebo e eu desejo) e de um jeito com menos abstração (história real e ideal). Podemos também considerar que temos a tensão com um espaço de busca maior (eu percebo e história real) e com um espaço de busca menor (eu desejo e história ideal). Essa variedade pode ser muito valiosa quando avançarmos para desenhar experimentos ou intervenções.

Embora esta formatação seja bastante simples, muitas vezes encontramos desafios ao convidar as pessoas a expressarem suas narrativas utilizando esta estrutura.

É comum as pessoas contarem algo que elas julgam ser uma “história real” que na verdade é apenas uma descrição abstrata de algo que elas percebem.

Também vemos muitos casos onde a situação desejada não parece ter uma continuidade daquilo que foi descrito como sendo percebido no momento atual.

Além disso, com frequência as narrativas focam em comportamentos de indivíduos que as pessoas querem mudar.

Nós não encorajamos o foco em atributos de indivíduos porque isso geralmente traz uma premissa de que o comportamento de alguém é reprovável.

Ao invés disso, convidamos as pessoas a questionarem qual é o processo, acordo, ritual ou qualquer outro atributo do sistema onde tal comportamento se manifesta.

Veja o exemplo abaixo para entender isso melhor.

tensao_descr1.png

Esta tensão traz uma narrativa que foca no comportamento de uma pessoa líder. Ao desenhar intervenções, nós não queremos mudar a forma como uma pessoa específica se comporta. Vamos propor intervenções que influenciam comportamentos, mas isso acaba sendo uma consequência de uma mudança nas estruturas do sistema.

Além disso, a história ideal parece comunicar algo diferente do que foi descrito como história real.

Sendo assim, uma outra forma de escrever esta tensão poderia seguir o exemplo abaixo.

tensao_descr3.png

Perceba que o foco agora está no processo de feedback e não na pessoa líder. A história ideal também foi modificada para que o desfecho se relacione diretamente com a história real.

Ao focar num atributo do sistema(processo, ritual, acordo, etc), fica muito mais fácil pensar em possíveis intervenções para resolver a tensão.

Após alguns anos utilizando este construto, nós identificamos alguns pontos essenciais que devem ser considerados ao elaborar uma tensão criativa que é útil para desenhar intervenções em sistemas sociais:

Para sumarizar esses pontos levantados, observe o exemplo abaixo.

tensao_descr4.png

Esta tensão possui um erro bastante comum. A narrativa apresentada na história real acaba por não oferecer nenhum detalhe sobre alguma situação vivida pela pessoa. Ou seja, não é uma história real, é uma narrativa abstrata. Seria bom o suficiente para o campo “eu percebo” mas não atende o que é esperado no campo da história real.

Mais uma vez temos uma narrativa que não está focada num atributo do sistema e ao comparar as duas narrativas temos histórias diferentes sendo contadas.

A história ideal também está propondo uma solução específica, o que acaba por limitar o campo de exploração ao desenhar intervenções.

Veja o exemplo abaixo e perceba como esses pontos foram levados em consideração.

tensao_descr5.png

Agora está claro que a tensão fala sobre um processo de alocação. A partir dessas narrativas podemos desenhar diversas intervenções que cuidem da alocação de pessoas em projetos.

Além de todos esses pontos abordados, ainda existem três armadilhas comuns que devemos nos atentar ao encapsular uma tensão.

#tensao