3.1 O que é uma Intervenção Estrutural

Vivemos em uma era de complexidade crescente, onde os desafios sociais e organizacionais são cada vez mais urgentes e multifacetados. Diante disso, soluções pontuais e superficiais mostram-se insuficientes. É preciso intervir na própria estrutura dos sistemas para gerar mudanças substantivas e duradouras.

Intervenções estruturais buscam superar os conflitos estruturais, questionando políticas, práticas e dinâmicas arraigadas que muitas vezes são tidas como certas e imutáveis. O foco está em transformar os hábitos invisíveis que influenciam o funcionamento das organizações e sociedade.

dimensoes_cultura.png

Quando abordamos intervenções em sistemas sociais, é fundamental reconhecer que a estrutura desses sistemas é composta por múltiplas dimensões interconectadas. A lista a seguir oferece uma visão geral das dimensões cruciais e destaca algumas nuances essenciais:

2.3 Artefatos Culturais: políticas, procedimentos, rituais, linguagem, espaços físicos, objetos, símbolos. Os aspectos mais visíveis e tangíveis da cultura.

Relações de poder: Dinâmicas políticas, privilégios, disputas por recursos e influência que subjazem os artefatos culturais.

2.4 Valores Compartilhados e Pressupostos: Crenças, normas éticas, visões de mundo e verdades tidas como absolutas que ancoram todo o sistema.

Redes de significado: Os sistemas de linguagem, símbolos e narrativas que constroem significado dentro da cultura.

Tecido afetivo - Os padrões de relacionamento, vinculação emocional e dinâmicas interpessoais dentro do sistema.

Fluxos de informação - Os canais formais e informais de comunicação e troca de informações.

Em organizações e na sociedade como um todo, esses elementos operam como um ecossistema interconectado, interagindo de maneira não-linear e reforçando-se mutuamente. As intervenções estruturais buscam compreender e influenciar essa teia sistêmica complexa.

É crucial ressaltar que, além desses elementos, também precisamos lidar com a estrutura subjetiva de cada indivíduo que faz parte do sistema social em questão. No contexto de organizações, onde várias pessoas interagem, estamos tratando de uma vasta rede de intersubjetividade.

Tudo isso, em conjunto, constitui o que chamamos de estrutura social. É importante reconhecer que, apesar de nossos esforços para abranger diversas nuances, ainda deixamos de fora muitos aspectos importantes. Este modelo apresentado possui categorias que podem ser entendidas como redundantes(redes de significado e tecido afetivo por exemplo). Além disso, se esses elementos fossem organizados por outra pessoa, provavelmente as categorias seriam diferentes. A complexidade da estrutura social é uma constante em nossa busca por compreender e transformar os sistemas sociais.

Note também que quando falamos sobre 1.2 O que é Cultura, entendemos que a cultura é um fenômeno que emerge a partir da interação entre as pessoas e essas dimensões.

Artefatos culturais como ponto de entrada

diagrama_camadas_cultura.png

Dado que os valores, o tecido afetivo, o presupostos e as relações de poder são difíceis de observar e influenciar diretamente, uma estratégia comum é utilizar os artefatos culturais mais tangíveis como ponto de entrada.

Ao mudar políticas, ritos, linguagens, símbolos e espaços físicos, podemos desencadear, mesmo que indiretamente, transformações mais profundas nas outras camadas do sistema.

Por exemplo, intervenções que buscam introduzir linguagem não-binária ou tornar ambientes corporativos mais diversos e inclusivos estão, no nível dos artefatos, gerando reflexos importantes na distribuição de poder e representatividade de grupos marginalizados.

Relações de poder e política

Embora os artefatos sejam o aspecto mais palpável, intervenções estruturais também buscam explicitar e alterar relações de poder disfuncionais que subjazem políticas e práticas institucionalizadas.

Isso pode envolver redistribuir autoridade para decidir, dar voz e influência real a grupos sub-representados, e desenhar sistemas que equilibrem interesses divergentes ao invés de concentrar poder e privilégios.

Um exemplo são estruturas e processos de governança distribuída, nos quais o poder está espalhado por toda a organização ao invés de centralizado no topo. Isso muda profundamente as dinâmicas de poder em um sistema.

Valores e pressupostos

A camada mais profunda da estrutura envolve os valores, crenças e pressupostos tidos como absolutos. Intervenções estruturais buscam trazer à tona e questionar aqueles que sustentam padrões limitantes e disfuncionais.

Isso pode se dar por meio de diálogos provocativos, rituais que celebrem princípios alternativos ou políticas que intencionalmente contradigam normas limitantes até então incontestadas.

Um exemplo é o questionamento crescente do valor do individualismo extremo, comunmente enraizado, e a promoção de valores mais coletivistas e interdependentes.

Além do organograma

Ao pensarmos em estrutura no contexto organizacional, há uma tendência de reduzi-la ao organograma formal – a distribuição de cargos e hierarquia prescrita. Mas intervenções estruturais miram transformações que vão muito além disso.

Elas buscam alterar estruturas informais de poder, políticas não declaradas, culturas tóxicas e redes de significado compartilhado. Ou seja, dissolver amarras que vão muito além do organograma tradicional e dos cargos formais.

Isso permite repensar as bases das interações humanas dentro e além das barreiras hierárquicas e funcionais.

Essa não é uma jornada linear com um ponto de chegada definido. É um processo contínuo de dissolução de amarras e criação de espaços mais generativos.

Claro que, para desenhar intervenções estruturais, precisamos ter uma boa definição daquilo que gostaríamos que fosse diferente do que é hoje.

Uma definição objetiva e acionável é essencial para mudar qualquer coisa.

É aí que entra o conceito de 2.2 Tensões Criativas: uma ferramenta que ajuda a estruturar a mudança desejada.

Sem clareza das tensões estruturais que desejamos dissolver, será difícil desenhar experimentos que nos ajudem a superar os conflitos estruturais nas organizações e na sociedade.

As Tensões Criativas representam o espaço entre o presente e o futuro desejado. É o reconhecimento da diferença entre o que é e o que queremos que seja. É a consciência das imperfeições e dos conflitos estruturais que permeiam nossas organizações e sociedade. É a chama da insatisfação que nos impulsiona em direção à mudança.