3.3 Evitando Lugares Comuns
A experimentação tem se tornado uma ferramenta cada vez mais valorizada para impulsionar a inovação e a transformação em organizações complexas. Em um mundo de reviravoltas constantes, a capacidade de rapidamente testar novas abordagens por meio de experimentos frequentemente é o que diferencia empresas que prosperam daquelas que ficam para trás.
No entanto, para que experimentos realmente catalisem mudanças profundas, eles precisam ser bem desenhados e evitar armadilhas comuns. Muitas vezes, ao se deparar com um problema organizational, tendemos a recorrer a soluções padronizadas e superficiais por serem mais fáceis ou estarem mais ao alcance.
Essas soluções acabam se tornando "lugares comuns" das organizações: abordagens que trazem alívio momentâneo dos sintomas, mas não lidam com as causas fundamentais. Se não tivermos cuidado, nossos experimentos podem cair nessa armadilha, gerando frustração e descrença no poder transformador da experimentação.
Lugares Comuns a Evitar
Quando nos deparamos com problemas crônicos em uma organização, algumas soluções acabam virando a regra quase que por reflexo. São as primeiras coisas em que pensamos, mesmo sem analisar se de fato irão resolver a tensão. Aqui estão algumas dessas armadilhas comuns:
"Vamos rever o processo"
Diante de um prolema qualquer, uma resposta padrão é iniciar uma revisão de processos. Isso até faz sentido em alguns casos, mas frequentemente esse "lugar comum" é usado para mascarar problemas mais profundos como conflitos relacionais, disputas de interesses e políticas disfuncionais. Provavelmente vai acabar virando um plano de ação também.
"Vamos criar um comitê para falar sobre isso"
Outra solução recorrente é formar um grupo ou comitê para discutir determinado desafio. No entanto, conversas intermináveis raramente geram mudanças por si só. Sem uma orientação clara para ação e experimentação, comitês frequentemente viram espaços de procrastinação coletiva.
"Vamos fazer um plano de ação"
Planos de ação bem estruturados têm valor em muitos contextos. O problema é quando viram respostas automáticas mesmo diante de situações de alta complexidade e incerteza, nas quais é impossível prever soluções com antecedência. Impor um plano detalhado pode mascarar a necessidade de uma abordagem mais adaptativa e experimental.
"Vamos dar um treinamento"
Treinamentos também podem agregar valor, desde que aplicados às necessidades reais da organização. Mas com frequência são usados de forma simplista, partindo da premissa de que os maiores desafios são falta de habilidade ou conhecimento. Ignoram questões sistêmicas como estrutura organizacional, cultura e poder. Leia mais sobre isso no artigo "Desenvolva sistemas, não pessoas."
"Vamos revisar objetivos e metas"
Claro que revisar objetivos e metas periodicamente é importante. O problema é quando se assume que basta alterar as métricas e as coisas vão magicamente melhorar. Metas por si só raramente geram engajamento ou mudam comportamentos arraigados.
"Vamos fazer um diagnóstico"
Diagnósticos podem ser úteis para mapear problemas de forma estruturada. Mas com frequência ficam só no levantamento de dados, sem conexão com experimentos para testar soluções. Além disso, informação demais pode criar paralisia ao invés de catalisar ação e mudança.
Por que essas soluções são limitadas?
Existem algumas razões pelas quais essas soluções acabam tendo pouco impacto ou não lidando com as causas reais dos desafios organizacionais:
Ignoram as causas sistêmicas e estruturais
Em geral, esses "lugares comuns" trabalham na superfície dos problemas, sem analisar padrões ou questões estruturais mais profundas. Por exemplo, treinamentos para melhorar colaboração raramente questionam se a própria divisão do trabalho induz a competição improdutiva.
Não questionam pressupostos subjacentes
Essas soluções padronizadas geralmente partem de premissas pré-concebidas, como "nosso processo é o problema" ou "as pessoas precisam ser treinadas". Mas não há reflexão sobre a validade desses pressupostos e seus efeitos colaterais.
Mascaram conflitos ao invés de resolvê-los
Muitas dessas abordagens mascaram conflitos reais que precisariam vir à tona ao invés de serem varridos para baixo do tapete. Por exemplo, criar um "comitê de ética" pode dar aparência de que o tema está sendo tratado, quando na verdade os dilemas éticos não são debatidos abertamente.
Não geram mudanças estrutais
No geral, essas soluções criam a ilusão de ação e progresso, sem mexer nos padrões disfuncionais que sustentam os problemas. Elas trazem alívio momentâneo dos sintomas, não a cura da doença.
A importância de intervenções estruturais
Se queremos que nossos experimentos organizacionais gerem transformação real, precisamos ir além desses "lugares comuns" e projetar intervenções que mexam na estrutura profunda da organização.
Isso envolve questionar políticas, práticas e dinâmicas tidas como certas e intocáveis. Significa redesenhar ativamente os 2.3 Artefatos Culturais que influenciam o comportamento organizacional - desde valores e crenças até processos, rituais, papéis e fluxos de poder e informação.
Exemplos de experimentos estruturais
Abaixo estão alguns exemplos de experimentos com potencial para gerar mudanças estruturais profundas em uma organização:
Alterar políticas de autoridade e decisão : Testar de forma temporária a distribuição de autoridade para tomar certas decisões.
Mudar formatos e propósito de reuniões : Experimentar com reuniões "invertidas", nas quais o foco é criação de ideias ao invés de relatórios. Ou tornar reuniões opcionais e avaliar os resultados.
Mudar políticas de incentivos e recompensas : Testar remover ou alterar sistemas de incentivos que reforçam comportamentos individuais e políticas de bônus baseadas em meritocracia.
Redesenhar espaços físicos : Experimentar modificar layout e fluxos em espaços de trabalho para estimular mais colaboração informal e trocas criativas.
Mudar a política de critérios de promoção : Testar promoções baseadas em contribuições para o ecossistema ao invés de performance individual, avaliando os efeitos sobre cultura.
Inverter hierarquias tradicionais : Experimentos podem temporariamente inverter a hierarquia formal, dando mais autoridade às camadas front-line para tomarem decisões.
Mudar estruturas de trabalho : Testar novos formatos como equipes autogeridas ou comissões interfuncionais ao invés de departamentos fixos.
Adotar práticas de governança distribuída : Experimentar introduzir processos como eleição de papéis, círculos e tomada de decisão por consentimento.
Conclusão
Exploramos algumas armadilhas comuns que devemos evitar ao projetar experimentos organizacionais que realmente fazem a diferença. Vimos que soluções padronizadas como revisão de processos, planos de ação e treinamentos raramente vão à raiz dos problemas.
Para de fato catalisar mudanças, precisamos ter a coragem de questionar políticas e práticas tidas como certas e criar experimentos que intervenham na estrutura profunda da organização. Isso exige ir além do senso comum e do que está ao alcance imediato.
Claro, nem toda intervenção estrutural funcionará ou será apropriada. Daí a importância de começar com experimentos em pequena escala, construindo insights e confiança antes de expandir as mudanças. Mas evitar os "lugares comuns" é o primeiro passo para descobrir possibilidades que antes eram inimagináveis.