4.2 Contextos - Onde o Hacking Acontece

O hacking cultural possui aplicabilidade em diversos contextos organizacionais que vão desde como vender um experimento para um sponsor, até na hora de lidar com contextos onde não existem sponsors claros ou que existe a necessidade de disseminar práticas que já estão sendo usadas em partes da organização. Além disso, algumas técnicas podem ser usadas de forma furtiva e indireta, sem que outras pessoas entendam o que está acontecendo ou quais são as intenções.

Seus princípios e técnicas podem ser utilizados de diferentes formas, dependendo de variáveis como existência de sponsors(alguém que "patrocina" o projeto), compreensão do ambiente e limitações de tempo.

O papel do Sponsor

Em muitas organizações e contextos sociais, é preciso obter autorização formal para realizar intervenções e experimentos, mesmo que pequenos. Essa autorização costuma vir na forma de um "sponsor" - uma pessoa em posição de liderança que apoia e patrocina a iniciativa.

O sponsor é alguém com poder de decisão e influência sobre recursos importantes para viabilizar o projeto. Geralmente é um gestor sênior ou executivo que detém autoridade sobre orçamentos, equipes e prioridades estratégicas.

O patrocínio do sponsor é essencial em contextos mais tradicionais, onde as pessoas esperam que ideias e projetos venham "de cima para baixo". Sem o aval de uma liderança, pode ser difícil obter legitimidade e os recursos necessários.

Em muitos casos é preciso convencer um sponsor a rodar um experimento. Em outros casos, o sponsor nem sequer existe.

Até o presente momento nós mapeamos oito contextos que são comuns à maior parte das organizações.

Inexistência de sponsor

Quando não existe um sponsor claro ou defensor do experimento dentro da organização, é preciso convencer as pessoas de que é uma boa ideia rodar um experimento ou uma intervenção. Isso pode ser feito utilizando técnicas do hacking cultural para influenciar a cultura no sentido de torná-la mais aberta e receptiva a novas ideias e experimentos.

Por exemplo, é possível identificar pessoas influentes e utilizar estratagemas como o compromisso público para fazê-las expressar apoio a ideias de inovação e mudança incremental. Outra opção é criar narrativas convincentes sobre os benefícios da experimentação e disseminá-las por meio de estratagemas como trojan horse e pontes largas.

Também pode-se fazer intervenções menores com estratagemas como priming e ignorância pluralística para influenciar a percepção das pessoas sobre o que é aceitável ou normal em relação a experimentos.

Sponsor ainda não concordou

Mesmo quando já existe um potencial sponsor, este pode ainda não estar totalmente convencido da ideia. Nesse caso, técnicas do hacking cultural podem ser aplicadas para apresentar os benefícios e o valor do experimento, a fim de obter o apoio do sponsor.

Por exemplo, é possível utilizar estratagemas como framing, ancoragem e design de opções para influenciar a avaliação do sponsor sobre os riscos e recompensas da iniciativa. Outra possibilidade é apelar para técnicas de compromisso público, fazendo com que o sponsor expresse algum grau de concordância inicial com a ideia, o que torna mais provável que ele apoie completamente depois.

Também pode-se usar estratagemas que apelam para a identidade do sponsor, ressaltando como lideranças visionárias e inovadoras apoiariam ideias experimentais com potencial transformador. Ou então, dizer que outros sponsors ou empresas concorrentes já estão apostando em iniciativas parecidas.

Sponsor não está disposto a apoiar

Em situações onde o sponsor não está disposto a apoiar o experimento, técnicas mais furtivas do hacking cultural podem ser aplicadas para contornar essa barreira e ainda assim rodar o experimento de forma indireta ou gradual.

Por exemplo, é possível fazer um projeto piloto menor usando a técnica de "pé na porta", começando com um escopo reduzido e depois expandindo. Ou então, pode-se camuflar o experimento real dentro de outra iniciativa maior aceita pelo sponsor, como uma espécie de "cavalo de troia".

Outra opção é buscar apoio e recursos com outros atores na organização, usando estratagemas como ignorância pluralística ou compromisso público para convencer esses novos sponsors. Ou ainda, é possível executar o experimento de forma não autorizada, usando técnicas como distração e disfarce para não chamar atenção indesejada da liderança contrária à ideia.

Intervenção Furtiva

Algumas intervenções só funcionam se forem feitas de forma sigilosa, sem que as pessoas saibam das verdadeiras intenções. O hacking cultural fornece técnicas para influenciar a cultura de maneira indireta nesses casos.

Por exemplo, é possível usar estratagemas como priming, ignorância pluralística e propaganda viral para disseminar ideias e influenciar percepções de forma não explícita. Outra opção é camuflar a intervenção dentro de algum evento ou atividade que chame mais atenção, usando distração.

Também pode-se atribuir a autoria da intervenção a outro departamento ou equipe, despistando sobre as reais intenções. Ou ainda, fazer alterações no ambiente físico ou digital para influenciar comportamentos, como mudar a localização de objetos ou o fluxo em um software.

Falta de compreensão do contexto

Quando a pessoa agente de mudança não compreende bem o contexto organizacional, pequenas intervenções do hacking cultural podem ser feitas para gerar insights e entendimento antes de propor algo maior.

Por exemplo, técnicas como observação participante, entrevistas sutis com estratagemas como porta-na-cara e compromisso público, e análise de artefatos podem ajudar a entender visões de mundo, relações de poder, normas tácitas e outros aspectos da cultura.

Também é possível fazer pequenos experimentos-sonda utilizando diferentes estratagemas para observar reações e entender melhor como influenciar aquela cultura específica. Ou provocar levemente com técnicas de dissonância cognitiva para avaliar quais crenças e valores são mais arraigados.

Tempo muito apertado

Em situações onde o tempo é muito limitado para planejar e executar uma intervenção complexa, o hacking cultural oferece técnicas mais rápidas e simples que podem surtir efeito a curto prazo.

Por exemplo, pequenos ajustes no ambiente baseados em nudges de escolha ou mudanças sutis nas interfaces. Ou ações rápidas de priming, como um e-mail com mensagem-chave enviado na hora certa. Ou ainda, compromissos públicos obtidos em uma única reunião ou evento.

Claro, intervenções mais profundas e duradouras ainda serão necessárias depois. Mas alguns hacks culturais bem escolhidos podem gerar resultados preliminares em poucos dias ou semanas quando o tempo é escasso.

Disseminação

Quando um experimento validou uma hipótese em uma área ou time, o hacking cultural pode ajudar a disseminar essas boas práticas para o resto da organização de forma orgânica.

Por exemplo, técnicas como pontes largas e fortes, liderança distribuída e nudges podem ser utilizadas para espalhar a adoção sem imposição hierárquica. As práticas passam a ser vistas como as novas normas sociais por adesão, e não coercitivamente.

Aumento de potência

Algumas intervenções se tornam mais poderosas quando combinadas com técnicas do hacking cultural. Isso ajuda a evitar a perda de eficácia à medida que o experimento escala.

Por exemplo, uma nova metodologia ágil pode ser fortalecida com elementos de design de normas sociais e criação de narrativas que promovam senso de identidade e propósito compartilhado. Ou um treinamento pode ter maior adesão se vinculado a incentivos e reconhecimento público por meio de "badges".

Veja a 4.3 Introdução aos Estratagemas para compreender como podemos hackear esses diferentes contextos.