4.1 Origens e evolução do Hacking Cultural

O termo "culture hacking" surgiu no final da década de 1990, fruto de ideias gestadas anos antes sobre como transformar times e organizações. O conceito original veio da visão de "hackear" sistemas, trazendo influência da computação e programação para o contexto cultural e organizacional.

Desde então, o culture hacking passou por duas grandes ondas evolutivas, com abordagens distintas sobre como promover mudanças profundas por meio de intervenções na cultura organizacional.

Primeira Onda: Anos 90, Foco em Times

A primeira onda do culture hacking começou a tomar forma nos anos 90, com os trabalhos de Jim e Michele McCarthy sobre práticas para times de alta performance. Em 1998, eles criaram o método Core Protocols, que se tornou um marco inaugural do culture hacking.

Essas práticas serviam como uma espécie de "sistema operacional" para permitir que os times aprendessem e exibissem comportamentos voltados a resultados. Os protocolos descreviam como se comportar adequadamente em reuniões, interações interpessoais e como time.

Adam Feuer, um dos primeiros proponentes do culture hacking, definia o conceito em 2011 da seguinte forma:

"Culture hacking é o design e implementação sistemáticos de práticas, compromissos e visões de times que geram os resultados desejados. Em outras palavras, é hackear sua própria cultura. [...] O culture hacking em seu melhor é sobre criar culturas que permitem que pessoas e times alcancem grandeza."

Essa primeira onda do culture hacking focava em estabelecer regras e diretrizes explícitas que guiassem cultura dos times nas organizações. Tinha como premissa que times de alto desempenho precisavam adotar comportamentos e compromissos específicos.

O Core Protocols se popularizou e influenciou outros frameworks similares que surgiram na época, como o Scrum e o Lean Software Development. Todos traziam práticas prescritivas para que os times se organizassem e trabalhassem de forma mais produtiva e focada.

Mas haviam limitações nessa abordagem de cima para baixo. As práticas nem sempre eram adotadas genuinamente, e os times acabavam seguindo os protocolos como obrigações, não como escolhas conscientes. Além disso, eram mais indicados para times pequenos do que para organizações inteiras.

Segunda Onda: Anos 2010, Foco no "Hacking"

Por volta de 2012 começou a surgir uma nova onda no culture hacking, influenciada por ideias da gestão ágil e pelo trabalho de Stefan Haas. O foco passou a ser no ato de "hackear", e menos em prescrever práticas pré-definidas.

Esta segunda geração do culture hacking envolvia realizar pequenas intervenções e experimentos para provocar e entender mudanças na cultura. Em vez de grandes transformações, eram pequenos "hacks" incrementais.

Carrie Bedingfield definiu da seguinte forma em 2018:

"Culture hacks são intervenções contraculturais discretas que visam mudar como as pessoas interagem umas com as outras. Quando funcionam, podem ter grande impacto. Quando não funcionam - sem problemas, podemos tentar outra coisa."

O procedimento do culture hacking agora envolvia:

Os "hacks" eram vistos como uma forma de evitar o planejamento excessivo e as abordagens tradicionais de mudança organizacional. Permitiam testar possibilidades por meio de experimentos e aprendizado.

Kristin Moyer, vice-presidente da Gartner, destacava que:

"Culture hacks são fáceis - você deve ser capaz de concebê-los e executá-los em 48 horas."

Essa visão mais orgânica do culture hacking se popularizou na gestão ágil, em startups e na comunidade de mudança organizacional. Trazia mais aspectos experimentais e focados em ciclos de feedback curtos.

Limitações das Ondas do Culture Hacking

Cada onda evolutiva do culture hacking trouxe contribuições valiosas. Porém, ambas as abordagens iniciais também tinham limitações importantes.

A primeira onda, focada em práticas prescritivas, falhava em gerar mudanças profundas e intrínsecas. As regras eram incorporadas mais por obrigação do que por realização pessoal. Além disso, eram mais adequadas para times do que organizações inteiras.

Já o foco experimental da segunda onda gerava resultados fracos e inconsistentes. Os "hacks" em si tinham alcance individual e momentâneo, sem afetar as relações de poder.

Em comum, compartilhavam visões mecanicistas e positvistas da cultura, como algo exterior aos indivíduos que pode ser objetivamente definido. Viram a cultura como um "sistema operacional" a ser hackeado, e não um sistema social intersubjetivo.

Contudo, essas limitações e o amadurecimento do campo abriram espaço para o surgimento de uma terceira onda no culture hacking.

A Terceira Onda: Uma perspectiva crítica

O culture hacking segue evoluindo e buscando formas ainda mais eficazes de catalisar a mudança cultural. Uma terceira onda começa a emergir, incorporando novos conhecimentos sobre a complexidade da transformação organizacional.

Essa abordagem é altamente influenciada por correntes sociológicas que buscam compreender e transformar conflitos estruturais como luta de classes, centralização do poder e processos de marginalização nas organizações e na sociedade.

Ao mesmo tempo, reconhecendo que a teoria sócio-política raramente oferece os meios práticos que podem viabilizar a transformação social, a terceira onda se apóia no pragmatismo das abordagens desenvolvidas no contexto do meio corporativo e do mundo do software, recebendo com entusiasmo as experimentações feitas nas ondas anteriores.

Essa combinação busca integrar a teoria crítica com ferramentas "ágeis" e orientadas à experimentação. O objetivo é ir além da reflexão teórica e partir para ação prática informada pelo olhar da complexidade, da psicologia social e outras áreas que estudam o comportamento humano.

Em vez de um foco restrito a práticas ou vida curta dos "hacks" aplicados em pequenos times, essa abordagem busca uma mudança cultural mais ampla nas organizações e na sociedade.

A cultura não é vista como um sistema mecânico, e sim como uma teia viva de significados compartilhados que emerge das relações sociais. Hackers culturais buscam pequenas brechas nos sistemas sociais para desenhar intervenções que podem alavancar a transformação social.

Nossa proposta de Hacking Cultural

Hoje em dia, o termo hacking está presente em nosso vocabulário e é utilizado para descrever truques e gambiarras que fazem uso de poucos recursos para resolver problemas comuns em nosso cotidiano.

No entanto, quando se trata de cultura, o assunto é mais complexo. A cultura muda constantemente e nem sempre na direção que desejamos. Ela é difícil de prever ou controlar, é ambígua, subjetiva e instável. Hackear a cultura não é uma tarefa trivial, mas é possível com o uso de estratégias e práticas específicas.

Buscamos sistematizar um corpo de conhecimento sobre como lidar com os desafios rotineiros que um agente de mudança enfrenta e que exigem um certo jogo de cintura. Não é sobre influenciar as pessoas para elas mudarem seu mindset, mas influencia-as para que elas topem experimentar com novas formas de organizar o trabalho, de fazer algo ou de experimentarem um novo artefato.

Um agente de mudança que atua como hacker consegue complementar seu repertório que já possui abordagens mais sistemáticas que atuam na identificação de tensões e desenho de experimentos.

Leia a o texto sobre definições de termos do hacking cultural para começar a compreender a nossa abordagem.

Nó organizamos uma biblioteca de estratagemas que são extremamente úteis para desenhar "hacks" no dia a dia. Esses estratagemas são aplicados nos diferentes contextos onde o hacking pode fazer sentido.

Referências

Michael Tarnowski, no seu blog "Plays-in-business" fez uma excelente compilação sobre a história do hacking cultural. Foi com ele que aprendemos sobre as diferentes ondas do movimento. Neste artigo ele oferece uma generosa lista de referências:

Jason Little publicou um livro chamado "Lean Change Management" em 2014 que oferece uma ótima perspectiva sobre como funciona a segunda onda do Culture Hacking. A abordagem ali apresentada é altamente influenciada pelo movimento lean, toyotismo e agile.